Quanto se fala em estabelecer relações interdisciplinares é
importante refletirmos como trabalhamos a arte em nossas escolas. Até bem pouco
tempo atrás se aprendia arte sem ver arte, o que é o mesmo que aprender a ler
sem ter acesso aos livros.
Você, eu e grande parte da nossa geração concluímos seus
estudos sem ter contato com as obras de arte (menos ainda com a arte
brasileira, de difícil circulação), porque se entendia que as imagens poderiam
prejudicar a preservação da espontaneidade e a livre manifestação do aluno,
objetivos da grande maioria dos professores. Fato que fez com que permanecemos
analfabetos no que se refere ao mundo das imagens e dos objetos que fazem parte
do acervo simbólico da humanidade e com o qual podemos aprender sobre o
passado, entender e transformar o presente e fazer projeções para o futuro. No
final de década de 80, no Brasil surgiram ideias de que a Arte não é só
expressão, mas também conhecimento, e comportamento inteligente e também
sensível, o que eliminou a dicotomia entre cognição e emoção, e criou terreno
para a circulação dos fundamentos de uma proposta de ensino de arte ancorada na
própria arte, em sua história, em sua apreciação e em seus fazeres.
Ana Mae Barbosa – 1991 – Através da Metodologia Triangular
propõe a organização do ensino das Artes Visuais no inter-relacionamento entre
três eixos: O fazer artístico do aluno, a leitura da obra de arte e a
contextualização histórica, ou como sugerem os PCNs para o ensino de Arte entre
a produção do aluno, a fruição das obras e a reflexão. A partir da abordagem
triangular o termo “leitura” incorporou-se ao vocabulário dos professores de
arte, entendido como leitura de imagem, de obras, de objetos, ou de um elemento
qualquer.
LEITURA DE IMAGEM
Ler não é tentar decifrar ou adivinhar de forma iserta o
sentido de um texto, mas é, a partir do texto, atribuir-lhe significados
relacionando-o com outros textos na busca da sua compreensão, dos seus sentidos
e de outras possíveis leituras. Paulo
Freire (1993) nos falava da necessidade de aprender a fazer a leitura do mundo,
não mecanicamente, mas vinculando linguagem e realidade e usava o termo
cosmovisão ao referir-se a esse alargamento do olhar.
Se decodificar um texto é entrar em sua trama, na sua
textura, no seu tecido, ler um texto pictórico é adentrar em suas formas,
linhas, cores, volumes e particularidades na tentativa de desvelar um código
milenar que muitas vezes nos é desconhecido e por vezes nos assusta. Por ser um
sistema simbólico, de representação, a subjetividade contida na arte
proporciona uma infinidade de leituras e interpretações que dependem das
informações do leitor, das suas experiências anteriores, das suas vivências,
lembranças, imaginação, enfim, do seu repertório de saberes.
A educação do olhar é fundamental, por que o olhar
seleciona, associa, organiza, analisa, constrói, desconstrói e saboreia as
imagens tanto as da arte quanto as do cotidiano, chamado por Pillar de conhecimentos
visual. Ana Mae Barbosa, afirma que ao educarmos ao alunos para lerem imagens
produzidas por artistas... estamos preparando-os para lerem imagens que os
cercam em seu meio ambiente. Com isso estamos pretendendo uma educação estética
– ensinar a ver, uma vez que o conhecimento da arte não se dá de forma
espontânea e sim medida pelo professor e pelas interações que ocorrem na sala e
fora dela.
Quanto maior o número de imagens de arte que estiver
alimentando o olhar do aluno e do professor maior será a possibilidade de
inferências, de criatividade e de sensibilidade nos demais relacionamentos da
vida cotidiana.
Possibilidades de Leitura de Imagem:
Feldman, (citado por Barbosa, 1991, pg. 20), aponta os quatro
estágios a serem seguidos para a leitura de imagens, que serão distintos porem interligados
entre si e não ocorrem necessariamente nessa ordem, são eles: Descrição; Análise; Interpretação;
Julgamento.
1- Descrição – Indica o que é perceptível na imagem: prestar
atenção ao que se vê, é a partir da observação listar, apenas o que esta
evidente. Exemplo: tipos de linhas e formas utilizadas pelo autor, cores,
elementos e demais propriedades da obra, o título da obra, o artista que a fez,
o lugar, época, material utilizado, técnica, estilo ou sistema de
representação, ser figurativo ou abstrato...
2- Análise – Diz respeito aos aspectos formais da
obra: ao comportamento dos elementos entre si, como se influenciam e se
relacionam. Exemplo: os espaços, os volumes, as cores. As texturas e a
disposição na obra criam contrastes, semelhanças e combinações diferentes que
neste momento serão analisadas.
3- Interpretação – Hipóteses sobre o significado: este
estágio é o mais gratificante, é quando se procura dar sentido ao que se
observou, tentando identificar sensações e sentimentos experimentados, buscando
estabelecer relações entre a imagem e a realidade no sentido de apropriar-se da
mesma.
4- Julgamento – neste estágio emitimos um juízo de
valor a respeito da qualidade de uma imagem, decidindo se ela merece ou não
atenção. Nesta etapa as opiniões são muito divergentes, pois algumas obras têm
um significado especial para algumas pessoas e nenhum valor para outras. Mas é
senso comum que um bom trabalho é o que tem o poder de encantar muitas pessoas
por um longo tempo.
Feldman, citado por Barbosa, sugere que as leituras sejam comparativas
entre duas ou mais obras, a fim de que se destaquem semelhanças e diferenças,
possibilitando analogias e aprendizagens mais enriquecedoras.
“O contato com a arte tem a função
de levar o aluno a pensar sobre sua realidade social e, em que ela pode ser
modificada ou acrescida a partir deste estudo.”
LEITURA DE IMAGEM E
INTERTEXTUALIDADE
É na inter-relação do indivíduo com os objetos que se dá a
organização de um sistema de imagens visuais/mentais que, gradualmente,
conduzem a percepções cada vez mais complexas e sutis, permitindo não só a
compreensão dos conhecimentos inerentes à arte mas, principalmente, a produção
de conhecimento em
arte. Consequentemente, o estímulo à leitura das imagens é
fundamental para que alcancemos esta meta e passemos a perceber o que muitas
vezes se esconde a um olhar desatento.
Paul Klee, artista plástico Suíço, afirma que arte não
reproduz o visível, torna visível, e é nesta possibilidade de se revelar de se
construir ao nosso olhar, de apontar novos significados, que está uma das
importâncias da leitura das imagens para o processo de alfabetização estética.
Aprender a ler os códigos de sistema de representação das
artes visuais é tão importante quanto o entendimento do sistema numérico e da
escrita.
No entrelaçamento de várias imagens cultiva-se a agilidade
visual e o malabarismo intelectual.
INTERTEXTO NA SALA DE AULA
Ao valorizar o intertexto, o professor, ao invés de oferecer
uma só imagem para leitura, irá estimular a manipulação de várias imagens ao
mesmo tempo. Assim serão pesquisados jornais, revistas, catálogos, TV, vídeo,
os multimeios, o computador, os objetos do cotidiano e os recursos contemporâneos
nos quais as interfaces de cada discurso poderão ser descobertas e confrontadas
com a arte, criando novos significados para o aluno. É preciso ter presente, no
entanto, que estas interfaces não estão postas, mas sim se constroem ao olhar
do observador, em decorrência das suas experiências e dos seus repertórios.
Por esse motivo, a leitura da imagem aliando o método
comparativo de análise de obra de arte de Feldman (anteriormente citado em
Barbosa, 1991), ao intertexto contribui para dinamizar a ação pedagógica, pois
sintoniza-se com uma postura constante, tanto de alunos quanto de professores. As
interações se constroem ao olhar do observador, dependem do seu conhecimento,
de sua vivência, pode se comparar com a idéia de “garimpagem” das imagens.
Releitura
Releitura refere-se ao processo de produção
por parte do aluno de um trabalho prático, envolvendo as variadas técnicas das
artes visuais ou mesmo de outras áreas do conhecimento, como a música, o teatro
ou a dança. Se reler é ler novamente, é reinterpretar, reelaborar, redefinir,
então a releitura é criar novos significados. Não é pois uma cópia, mas, sim,
criação com base em um texto visual que serve como referência com o intuito de
uma aproximação maior com a obra.
A leitura de imagem não precisa necessariamente resultar em
releitura. É, na verdade, um recurso a mais para tomar atraente o ensino da
arte e desenvolver habilidades para a compreensão da gramática visual.
A escrita da arte
Conforme Buoro (1996), a arte reapresenta o mundo, o indivíduo
e as práticas sociais, segundo uma forma particular e subjetiva. Ao
reapresentar as ideias, o indivíduo o faz por meio de uma simbologia muito
pessoal e que caracteriza as diferentes linguagens artísticas: ora nos valemos
dos símbolos linguísticos, ora dos códigos corporais, ora dos musicais ou
plásticos. Este procedimento não é apenas apresentar ou comunicar ideias e
sentimentos, mas expressá-los aliando o real e o imaginário, a razão e a
emoção, perpassadas pelo que de mais refinado habita em nós: nossa capacidade
de criar e sonhar e, com isso, elaborar conhecimentos que nos humanizam.
É na infância que se desenvolvem as construções simbólicas
que permitem o trânsito entre o real e o imaginário e asseguram a compreensão
de que as produções pessoais são fonte de domínio e saber sobre a escrita
diferenciada da arte e fonte de prazer pelo envolvimento afetivo que
proporcionam: Ao privilegiar o percurso criativo do aluno estaremos desestimulando
os modelos prontos para colorir, as folhas mimeografadas ou xerocadas e as
imagens estereotipadas que empobrecem a manifestação simbólica da criança rumo
ao desenvolvimento de sua identidade como sujeito capaz de criar/recriar,
participar/transformar.
É neste fazer/refazer que está a alfabetização na linguagem
dos elementos que constituem as produções artísticas, tais como, as formas,
linhas, cores, texturas, volume, movimento, equilíbrio etc. que fazem parte dos
códigos da escrita plástica e que precisam ser explorados pelo aluno para que
possa usá-Ios, compreendê-Ios e transformá-Ios, enriquecendo assim suas
vivências. Este fazer criativo que chamamos de alfabetização artística, abrange as técnicas de compor, desenhar,
pintar, modelar em argila, a escultura, a gravura (xilogravura, infogravura etc.),
as instalações e tantas outras manifestações.
É fundamental que o ensino das artes visuais contemple
aspectos relacionados com o fazer artístico dos alunos, suas técnicas e
procedimentos, a apreciação da arte entendida como leitura das imagens e a
contextualização histórica que situa a obra em seu tempo e espaço e costura as
ligações com o cotidiano. Além desses, a plural idade cultural, a preservação
patrimonial, usos e costumes, folclore, artesanato, festas populares, rituais
familiares e outras manifestações enriquecem o currículo escolar. Com isto
pretendesse promover uma educação abrangente, interativa, vinculada ao coletivo
e emancipatória no sentido de contribuir para repensar sua realidade. Assim, as
aprendizagens em arte ocorrerão não só na sala de aula, mas em museus,
exposições, oficinas e lojas de artesanato, no contato com artistas da região e
familiares ou conhecidos dos alunos que executem um ofício ligado à arte, seja
popular ou decorativa e que possam dar depoimentos e mostrar seus trabalhos na
escola. Desta forma, será mais fácil para o aluno o entendimento de que arte é
um trabalho como tantos outros e não um passatempo, ainda que se possa entender
a arte como um passatempo produtivo.
Por fim, é preciso entender que todos nós, professores de
qualquer área do conhecimento, somos responsáveis pela educação estética de
nossos alunos, tanto pelo que oferecemos de imagens estereotipadas de qualidade
duvidosa quanto pelo que aceitamos de trabalhos infantis despersonalizados ou,
ainda, por nos omitirmos daquilo que deveríamos fazer e não fazemos. Conhecer a
arte, tanto local quanto universal, e expressar-se através da arte é um direito
de todo aluno.
É necessário que a escola, como local privilegiado onde deve
ser exercido o princípio democrático de acesso à informação e formação de todas
as classes sociais, compreenda que a arte é prática social que, no fazer, faz
também cultura e história.
Fonte:
Adaptação
do Texto: Ler e Escrever em
Artes Visuais – Isabel Petry Kehrwald
Organizadoras:
Fabiana Santos e Neiva Antunes
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